sábado, março 11, 2006

A terra sem lei de Lula
REINALDO AZEVEDO

O lugar de João Pedro Stédile, o líder de um movimento fantasma chamado MST, é a cadeia. Em vez disso, recebe verba do governo para promover o terrorismo e a chantagem. Ele fez a apologia escancarada do crime ao endossar a invasão do laboratório da Aracruz. Endossar? O movimento organizou o assalto e contou com a ajuda oficial. O Incra pagou os ônibus e mobilizou a polícia para que eles não fossem interceptados na estrada. A subversão da ordem, o esbulho constitucional e a transgressão de uma penca de leis contam com um general de peso — e não é Miguel Rossetto, o ministro da Reforma Agrária, um empregado moral de Stédile. Refiro-me a Luiz Inácio Lula da Silva. O apedeuta já envergou mais de uma vez o uniforme da guerrilha stediliana: o boné do MST.

O que vemos aí é um sintoma. O governo Lula pode degenerar em bagunça num estalar de dedos. O banditismo do MST e a ação do Exército no Rio são faces distintas do mesmo problema. Não que as Forças Armadas não devam agir em favor da ordem pública. É constitucional. A ação lhes é facultada pelo artigo 142 da Carta. Ocorre que, até que pobres e pretos estavam se matando e sendo mortos, todos reféns do narcotráfico, Lula e seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, achavam tudo normal. O assalto a um quartel lhes parece um pouco demais. E o governo decidiu mostrar que há dois entes capazes de usar a força para se impor: as Forças Armadas e o narcotráfico. Dado o contexto, igualam-se como litigantes. É uma tragédia. A área de Inteligência do crime deveria entregar logo os brinquedinhos roubados. A soldadesca desceria, e a “economia de mercado” local poderia voltar a funcionar.

De onde nasce o poder dessa gente? Do não-cumprimento da lei. E quem promove o esbulho legal? O governo. No caso do crime organizado, as Forças Armadas deveriam ter sido convocadas antes. Não para bater em pobre. Mas para arriar a bandeira do tráfico e hastear a Nacional. É uma guerra por território. No caso do MST, o governo não cumpre a medida provisória antiinvasão e repassa a maior parte dos recursos destinados ao setor a uma entidade que nem mesmo tem existência jurídica — que, enfim, não precisa prestar contas a ninguém. O resultado: Lula assenta menos gente do que FHC, com muito mais mortes. O MST, no entanto, nunca esteve tão forte.

E quem comanda essa justiça bastarda? O ministro... da Justiça! Foi ele quem, certa feita, comentando a não-aplicação da MP contra as invasões, pregou o que chamou de “acomodação tática” da Constituição. É o mesmo que, agora, diante da flagrante tentativa do Congresso de fraudar a Constituição para derrubar a verticalização, chamou a exigência contida na Carta (é proibido mudar a regra eleitoral menos de um ano antes do pleito) de “fetiche”. Ou seja, para o homem do Executivo encarregado de fazer valer o código legal, o que nele vai escrito não vale. Vi dia desses Bastos na Praia de Iporanga, um condomínio exclusivíssimo no Guarujá, onde tem uma mansão. Caminhava. Parecia um pavão. À sua volta, abria-se uma espécie de campo de força, vedado mesmo aos muito endinheirados do local. Lá ia o Licurgo do Estado operário, com seu nariz inteligente. Já tinha tomado a minha dose diária de Omeprazol. Ainda bem.
Não existe sociedade organizada que não respeite contratos. O maior de todos eles, nas democracias, é a Constituição. Sob certas circunstâncias, estamos vendo, Lula e seus homens podem perfeitamente atropelá-la. Marco Aurélio Garcia, diga-se, nos documentos que redige para o PT, sugere que esse desrespeito vá além e chegue à economia, especialmente à área financeira. Os nossos “liberais” de fachada, reduzidos à expressão intelectual mínima de uma mesa de operação do mercado, lucraram bastante com um Lula que não cumpre o que promete. Num eventual segundo mandato, talvez mereçam ter um pouco de prejuízo. E, quem sabe?, larguem mão de ser tão cúpidos quanto idiotas. Chegou a hora de Stédile ser corajoso e arrombar a porta de um banco. Invadir o laboratório da Aracruz é para covardes, companheiro!

No Globo de hoje. Globo este que continua não assumindo Reinaldo como colunista. Talvez por ideologia. Linha editorial. Ou medo.