Não à Hipocrisia
Acabado o referendo da proibição do comércio de armas (ou do fim da violência, se levarmos em conta as propagandas do Sim, ou então da manutenção do direito individual, mote do comitê pelo Não), temos de volta nosso cotidiano inalterado, e a Viúva R$270 milhões mais endividada. O direito individual não foi cassado, apesar da tese do direito individual ser contestável (seria direito individual andar a 150 km/h de carro pelas ruas, ou o fato de colocar a vida de outros em risco o torna parte do direito coletivo?).
Uma breve volta ao tempo nos traz diversas situações onde, assim como todo o referendo, tem raiz hipócrita. Para citar alguns casos mais famosos, os tantos abraços na Lagoa, o movimento do Basta (????), e muitos outros que demonstram a total incapacidade de atitude e coerência (principalmente o último) de nossa elite sócio-econômica. A manutenção do status quo é o que no fim interessa aos nossos burros burgueses. Os discursos e movimentos param sempre onde deveriam ganhar força e amplo apoio: as reformas e mudanças sociais necessárias.
Nos tempos dos meus pais, estudar em escola pública era comum a toda classe média. Oferecia-se ensino de qualidade. Ensinavam. A ampliação das camadas atendidas por estas escolas, medida mais que necessária, foi seguida pela queda vertiginosa da qualidade de ensino. O que fizeram então nossos nobres? Transferiram seus filhos para escolas particulares. Além de evitar o convívio com os pobres, a diferença da qualidade da educação garantiu aos filhos da minoria abastada a continuada proeminência sobre o grande resto. Eles agora tinham escola? Nossos filhos têm melhores. A concorrência pelas vagas nas Universidades (onde o público de qualidade ainda existe) e então pelos empregos continuava contida. A mão de obra barata para serviços domésticos indesejáveis ainda amplamente acessível. Mantido seja o status quo.
Como no exemplo da escola, foi sendo construído o caos social em que vivemos. Os ricos usufruindo com exagerada freqüência e volúpia da pobre Viúva. Ficaram mais ricos e ela, mais pobre. E foi surgindo a violência. Primeiro, nas favelas. Enquanto restritas àqueles locais, não era problema público. A ausência total do Estado de direito onde viviam então os pobres e retirantes abriu um enorme espaço, preenchido pelo hoje famoso poder paralelo. O tráfico de drogas (sustentado por quem tinha dinheiro, claro), as armas cada vez mais pesadas, a extinção da cidadania (se é que para este povo ela chegou a existir). O aumento da organização e da riqueza dos traficantes começou então um movimento de descida do morro para o asfalto. A elite, indignada, criou os condomínios. Trancou a violência de fora. Criou a violência por dentro. O tráfico entre os filhos da classe média já não é exceção.
A marginalização da pobreza e de tudo que não era igual, criou a cidade dividida. Hoje, a conseqüência é a cidade perdida. Os excluídos cada vez mais abandonados. A terra sem lei, num processo gradual e provavelmente irreversível. Não porque insolúvel, mas por depender dos mesmos que sem querer criaram-no. Mais do que as pequenas corrupções, praticadas por todos, condenadas por poucos, mas tão socialmente prejudiciais quanto as grandes conspirações, a impunidade continuada impede a esperança de mudança.
A quebra de todo este movimento deve ser pensada não somente por meios tradicionais, mas como processos de alteração de dinâmica social. Não adianta mais não reagir a um assalto para não morrer. A metodologia da punição não tem funcionalidade com que nada tem a perder. A prisão superlotada oferece provavelmente qualidade de vida equivalente à encontrada em algumas favelas, senão na maioria delas. Não há pena de morte ou tolerância zero que salve, enquanto os marginalizados não forem integrados. Não existe como tirarmos dos que nada tem.
Reformas amplas e funcionais. Cortes profundos de gastos públicos inúteis (especialmente benefícios estratosféricos recebidos por quem não tem direito e necessidade). Quebra de paradigmas pseudo capitalistas (uso e abuso do Estado para fins particulares através de direitos incorretamente adquiridos não se configuram direitos adquiridos jamais). Igualdade de condições, especialmente educacional. Transformemos o Brasil num país que gasta menos e melhor. Façamos daqui a verdadeira terra da oportunidade. E deixemos que o capitalismo faça o resto, que ele fará.
Nota de rodapé: O que, senão a proposta de alongamento do túnel em São Contado como forma de resolver o problema dos tiroteios da Rocinha, feita pela associação de moradores do bairro, como retrato fiel da nossa estúpida elite?
Uma breve volta ao tempo nos traz diversas situações onde, assim como todo o referendo, tem raiz hipócrita. Para citar alguns casos mais famosos, os tantos abraços na Lagoa, o movimento do Basta (????), e muitos outros que demonstram a total incapacidade de atitude e coerência (principalmente o último) de nossa elite sócio-econômica. A manutenção do status quo é o que no fim interessa aos nossos burros burgueses. Os discursos e movimentos param sempre onde deveriam ganhar força e amplo apoio: as reformas e mudanças sociais necessárias.
Nos tempos dos meus pais, estudar em escola pública era comum a toda classe média. Oferecia-se ensino de qualidade. Ensinavam. A ampliação das camadas atendidas por estas escolas, medida mais que necessária, foi seguida pela queda vertiginosa da qualidade de ensino. O que fizeram então nossos nobres? Transferiram seus filhos para escolas particulares. Além de evitar o convívio com os pobres, a diferença da qualidade da educação garantiu aos filhos da minoria abastada a continuada proeminência sobre o grande resto. Eles agora tinham escola? Nossos filhos têm melhores. A concorrência pelas vagas nas Universidades (onde o público de qualidade ainda existe) e então pelos empregos continuava contida. A mão de obra barata para serviços domésticos indesejáveis ainda amplamente acessível. Mantido seja o status quo.
Como no exemplo da escola, foi sendo construído o caos social em que vivemos. Os ricos usufruindo com exagerada freqüência e volúpia da pobre Viúva. Ficaram mais ricos e ela, mais pobre. E foi surgindo a violência. Primeiro, nas favelas. Enquanto restritas àqueles locais, não era problema público. A ausência total do Estado de direito onde viviam então os pobres e retirantes abriu um enorme espaço, preenchido pelo hoje famoso poder paralelo. O tráfico de drogas (sustentado por quem tinha dinheiro, claro), as armas cada vez mais pesadas, a extinção da cidadania (se é que para este povo ela chegou a existir). O aumento da organização e da riqueza dos traficantes começou então um movimento de descida do morro para o asfalto. A elite, indignada, criou os condomínios. Trancou a violência de fora. Criou a violência por dentro. O tráfico entre os filhos da classe média já não é exceção.
A marginalização da pobreza e de tudo que não era igual, criou a cidade dividida. Hoje, a conseqüência é a cidade perdida. Os excluídos cada vez mais abandonados. A terra sem lei, num processo gradual e provavelmente irreversível. Não porque insolúvel, mas por depender dos mesmos que sem querer criaram-no. Mais do que as pequenas corrupções, praticadas por todos, condenadas por poucos, mas tão socialmente prejudiciais quanto as grandes conspirações, a impunidade continuada impede a esperança de mudança.
A quebra de todo este movimento deve ser pensada não somente por meios tradicionais, mas como processos de alteração de dinâmica social. Não adianta mais não reagir a um assalto para não morrer. A metodologia da punição não tem funcionalidade com que nada tem a perder. A prisão superlotada oferece provavelmente qualidade de vida equivalente à encontrada em algumas favelas, senão na maioria delas. Não há pena de morte ou tolerância zero que salve, enquanto os marginalizados não forem integrados. Não existe como tirarmos dos que nada tem.
Reformas amplas e funcionais. Cortes profundos de gastos públicos inúteis (especialmente benefícios estratosféricos recebidos por quem não tem direito e necessidade). Quebra de paradigmas pseudo capitalistas (uso e abuso do Estado para fins particulares através de direitos incorretamente adquiridos não se configuram direitos adquiridos jamais). Igualdade de condições, especialmente educacional. Transformemos o Brasil num país que gasta menos e melhor. Façamos daqui a verdadeira terra da oportunidade. E deixemos que o capitalismo faça o resto, que ele fará.
Nota de rodapé: O que, senão a proposta de alongamento do túnel em São Contado como forma de resolver o problema dos tiroteios da Rocinha, feita pela associação de moradores do bairro, como retrato fiel da nossa estúpida elite?
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